quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

2014 - o meu renascimento no parto

Passei nove meses tentando digerir o meu parto. Nove meses tentando entender por quê o parto que eu tinha imaginado, planejado, preparado, sonhado e desejado não tinha acontecido. Confesso que quando a gente chegou em casa do hospital com Francisco, deixei ele no moisés, abracei o Marco na cozinha e chorei. Veio tudo de volta como um soco no estômago, as horas de trabalho de parto, o nascimento que eu tanto queria em casa e que não foi. Me senti fracassada. Foi um longo processo de muito "e se eu tivesse feito isso" e "se eu não tivesse feito aquilo", "por que eu não consegui?". Mas no meio de tudo isso veio a entrega, a certeza de ter feito a escolha certa por deixar meu filho vir a hora que ele queria vir, para fazer as pazes comigo. Abraçar o nascimento do Francisco e não necessariamente o meu parto. Entender a chegada daquele amor arrebatador que não tinha nada a ver com aquele sentimento de decepção que eu estava sentindo.

Eu me preparei, estudei, li todos os livros do Michel Odent, sabia as posições ativas, contratei equipe humanizada e, no fim, terminei em uma cesariana. De novo. Foi dolorido. Na minha cabeça não existia outra opção, não existia plano B ou hospital, eu ia parir em casa. A gente se entrega tanto ao assunto do parto humanizado, vira ativista, acha que é especialista, que parece que não há outra forma de nascer, sinceramente. Ah, se o bebê nascer de cesárea ou não mamar nas próximas duas horas de vida... alerta vermelho, algo de errado vai acontecer. Era como eu me sentia. E não é bem assim. É como a minha parteira dizia no meu pré-natal, e eu apesar de ter escutado tudo aquilo com atenção devo não ter entendido direito na época, o foco precisa estar no bebê. Não é o jeito de nascer, é quem nasce. O parto é apenas a porta de entrada para aí sim gerar e nutrir uma vida.

O Francisco nasceu de uma cesariana não desejada. Minha lembrança dos segundos antes dele nascer era meu braço e minha face toda tremendo muito, provavelmente efeito da anestesia combinada com a minha adrenalina de dois dias de trabalho de parto, minha vontade era levantar e sair correndo daquela sala de cirurgia. Até que veio um sopro de vento: "É um menino". E o tempo parou. A gente se viu, choramos todos, depois ele foi pra outra sala e o Marco junto. Fiquei ali amparada pela minha parteira atrás daquele  lençol azul e continuava tremendo e com vontade de sair correndo atrás do meu bebê. Tiraram a placenta, o tempo foi passando. Fomos pra sala de recuperação, ligamos pra família 4h da manhã pra contar e "cadê o Francisco?". "Ele está ofegante e vão deixar um pouquinho em observação, mas tá tudo bem, apgar alto", lembro do Marco me contando.A história parecia se repetir de novo, passei o mesmo com as meninas, mas dessa vez eu não esperava nada daquilo.

Me levaram pro quarto, devo ter dormido uma hora só e acordei com um só pensamento: "cadê meu bebê?". Chamei o Marco e pedi que ele fosse ver. Levaram ele pra UTI pra fazer exame de infecção já que eu tinha ficado com bolsa rota muito tempo. Lá estava todo procedimento hospitalar que eu tinha tentando evitar com um parto em casa de baixo risco. Tomei banho com certa facilidade (lembro que na cesárea das meninas foi horrível) e fui logo na UTI pegar o Francisco e dar de mamar. Vi ele com a sonda e me deu uma dor do peito, era como se eu estivesse vivendo tudo de novo. Ele era o maior bebê que estava lá, sequer ficou na incubadora. Quando ele pode ir pro quarto? Só depois do resultado do exame. Tentei argumentar, mas era norma do hospital, "não fazia sentido" deixar um bebê subir pro quarto e talvez ter que descer pra UTI de novo. Sofri nessas horas, mas quando pegava ele no colo, meu coração se enchia de novo. Voltei de tarde e ele mamou um pouco, tiraram a sonda. Eu e o Marco resolvemos que ele iria dormir em casa com as meninas, e meu irmão foi ficar comigo. Voltamos de noite, ele mamou mais um pouquinho. A enfermeira disse que iam dar o complemento de qualquer jeito. Na saída, o pediatra me para e diz que ele vai pro quarto. Tudo ok nos exames! Viva!

Quando o Francisco chegou no quarto foi a glória. A enfermeira, olha que lindo, leitora aqui do blog (obrigada, Alice!), me ajudou a colocar a roupa e me disse que tinham mais dois complementos marcados. Recusei. Se ele tomasse mais complemento não iria pegar no peito nunca, simples assim. E foi a melhor coisa que eu fiz. Naquela hora, tentei colocar ele no peito, mas nada. Imaginei que ele tivesse tomado o complemento e ele chegou a dar um golfada. Então, deixei ele ali no meu colo.  Como era bom! O bercinho móvel ficou de lado. E ele dormiu encostado no meu peito quase a noite toda. Não havia mais preocupações, meu filho estava ali. A partir desse momento bateu uma onda de amor forte, oxitocina pura. Algo que eu não havia experimentado com as meninas, confesso, com elas não sei se era o medo do desconhecido, estava apavorada, e acho que por isso essa conexão demorou mais. Com o Chico foi imediato.

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Fui tomada de uma paz enorme. Uma certeza gigantesca daquele amor. Não havia mais nada de errado no mundo. Como era possível? Nada tinha saído como planejado, como estava nos livros, e ali estavam os tais hormônios do amor. O leite fluiu, veio cansaço, é claro, mas ele não era penoso. Senti um pouco por não saber o que era essa sensação da primeira vez. Ali já havia chegado a entrega, que as meninas tinham me ensinado. Com o Francisco e depois de meses pensando o que poderia ter sido diferente, entendi que não era o parto, mas o nascimento que importava.

Não é o meio, mas a escolha que uma mãe ou a futura mãe faz pelo seu bebê é que desperta os hormônios do amor. É como você quer começar a jornada. E acredito no caminho do parto lutado, das dores sentidas, do bebê e do seu corpo em conexão e não apenas em uma data marcada e na cirurgia "sem riscos".

É para o nascimento que a jornada deve valer a pena. Ali estava meu bebê, tão sonhado, planejado, amado. E o meu renascimento como mãe e como mulher com a chegada do Francisco.

Que venha 2015 cheio de histórias e novas marcas. Que venha mais um lindo capítulo para ser escrito e vivido. Obrigada, 2014. 

12 comentários:

  1. Lindo texto, Tati!
    Parabéns pela linda família e Feliz Ano Novo!

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  2. Comigo foi um pouquinho diferente e demorei mais ou menos o mesmo tempo que vc pra digerir. Por toda a gravidez eu não tinha dúvida que pra mim tava tudo bem marcar a cesária. Afinal meu marido não poderia ver o nascimento da nossa filha se esperássemos. Ele tinha que ir embora antes da dpp por causa de uma transferência de cidade a trabalho. Quando minha filha nasceu e a pediatra mal me mostrou e correu pra longe com ela eu pensei: "porque fiz isso? Deveria ter esperado. Teríamos dado um jeito. Porquê não fui mais forte?" E a partir daí mergulhei no mundo do parto humanizado me preparando não sei pra o quê. Acho que foi só pra me sentir mais culpada. Quando comecei a pensar como vc foi que me perdoei um pouco. Pedi perdão a minha filha e segui em frente.

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  3. Lindo lindo!
    Que bom que houve a oportunidade do tentar, do acolher!
    E que esse sintonia não termine nunca, em tempo algum!
    Feliz 2015

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  4. Já fiz 3 cesáreas, todas porque eu decidi ou decidiram para mim. Sinceramente só lembro da felicidade de ver meu bebe . O melhor parto é o que vc teve e pronto. Não sinto culpa por ter feito cesarea , não quis tentar parto normal e não fico enchendo o saco de quem quer normal ou cesarea . Hoje a sociedade faz apologia ao parto normal e parece que quem faz cesárea está agindo errado. To de saco cheio desses discursos que só servem para criar sentimento de culpa nas mães. Mãe se culpa muito sem necessidade. Você disse tudo : não importa como nasce, mas quem nasce. O mais importante é como seu filho será criado, o amor a cada dia , os ensinamentos. A forma de nascimento pouco importa , como já disse Jô Soares : " nasci de parto normal mas fui criado como de parto cesariana". De forma irônica ele já dizia que não há diferença . Meus filhos nasceram d cesárea e mamaram na primeira hora de vida, amamentei até 1 ano todos , nunca dei complemento, mas não recrimino quem da , nem poderia já que quem dá leite artificial não é menos mãe , nem o filho é menos filho, nem ninguém é melhor nem pior que ninguém . Tem mulher que quer ter parto normal e tem as que querem cesárea e nenhuma deve ser recriminada por isso. Tem outras que querem amamentar , outras que não podem , e acredito que quando se tem amor verdadeiro tudo está certo. Não suporto essas regras que a sociedade gosta de impor as mulheres.

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  5. Estava ansiosa por esse post.! Vc é uma inspiração pra mim. Bjo

    Fabrina Dutra

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  6. "Não é o jeito de nascer, é quem nasce"! É isso. Eu precisava desse texto. Minha filha tem 11 meses e ainda luto pra superar a frustração das violências sofridas num parto induzido, com manobras. ..enfim, horroroso! Mas ela está aqui comigo. Eu me encho de amor. Feliz Ano Novo, Tati. Parabéns pela família linda.

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  7. Lindo Tati! Parabéns...

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  8. Acabei seu texto em lágrimas. Me ci em muitas partes dele e revivi o momento de primeira conexão com a minha filha (que tb nasceu de cesariaba indesejada, prematura e me foi trazida 4 horas depois): a primeira mamada. Obrigada por compartilhar!

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  9. Quando eu estava grávida todo site, blog, revista ou livro que eu lia falava das maravilhas do parto humanizado, idealizava o parto em casa e pintava um cenário de maravilhas do parto natural. E claro, em contrapartida, detonava o parto cesária. Eu me preparei psicologicamente pra ter parto natural mas não rolou e sinceramente, depois que minha filha nasceu percebi o quanto fui tôla de levar tão a sério essa campanha toda. É claro que o parto natural é o ideal, mas ninguém é menos mãe por não ter tido o filho dessa forma. Minha bebê nasceu linda e saudável, de cesariana sim (e não foi menos emocionante por isso), num ótimo hospital, com uma excelente equipe, que me tratou muito bem do início ao fim da minha internação.
    Adorei o blog, já curti no face!

    Beijos!
    www.baudabijou.com.br

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  10. Sempre venho aqui, desde que descobri seu blog quando as meninas ainda eram pequenas, esse é um dos textos que mais mexeu comigo. Obrigada! Foi alívio ler aqui, doce e forte o seu relato. Um beijo grande.

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  11. Ai.... Qnto AMOR! Esses Franciscos nos enchem de amor!! Sou fã sua e dele ❤️❤️ Carol Pires

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  12. Eu escolhi cesárea desde o inicio..apavorava pensar passar pelas dores do parto, bolsa rompendo, etc. Tive uma cesárea maravilhosa, indolor! Não pude amamentar pois qdo mais jovem fiz redução de mamas..isso me deixou um pouco preocupada por causa dos nutrientes do leite materno etc...mas deu td certo meu bb nunca teve um resfriado, a alimentação dele é perfeita e gracas a Deus com 1 ano e meio crescendo forte e saudável. Faria td de novo..igualzinho! Cada cabeça uma sentença!

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